Postado em domingo, 24 de fevereiro de 2008

Irmã do prefeito é beneficiada através do SUS


Alessandro Emergente
Henrique Higino

Maria de Fátima Canavez, irmã do prefeito Pompilio Canavez (PT), foi beneficiada pela Secretaria de Desenvolvimento Social, Saúde e Meio Ambiente de Alfenas, através do SUS (Sistema Único de Saúde). Em apenas um dia, Maria de Fátima (que mora em São João Del Rei) teve o pedido de cirurgia autorizado pela Secretaria e o procedimento executado no Hospital Santa Casa (HSC). O episódio foi em agosto do ano passado e levanta suspeita de favorecimento. O município não está autorizado a executar cirurgias eletivas (não-emergenciais) para pacientes de São João Del Rei.

Irmãos Canavez residem em cidades diferentes. Ela em São João Del Rei (casa com automóveis na frente), mas deu endereço da casa do prefeito em Alfenas, no Jardim Elite

O endereço fornecido por Maria de Fátima no documento de pedido de Autorização de Internação Hospitalar (AIH) é o mesmo do prefeito, rua Antônio de Paula Martins (nº 50), no Jardim Elite. A equipe de reportagem do Alfenas Hoje viajou, na última quinta-feira, até São João Del Rei e constatou que Maria de Fátima reside no município da Zona da Mata, cidade natal de Pompilio.

A irmã de Pompilio confirmou que mora em São João Del Rei (na rua Engenheiro Edmundo Loures, bairro Fábricas) e disse que chegou a residir durante três meses em Alfenas, época da cirurgia. Afirmou que não conseguiu realizar a cirurgia pelo SUS em São João Del Rei e veio para Alfenas.

Maria de Fátima negou que o pedido de AIH e a cirurgia tenham acontecido no mesmo dia, apesar dos documentos obtidos pela reportagem apontarem o contrário. Tanto a autorização quanto a cirurgia eletiva (varicectomia), realizada no HSC, são do dia 1º de agosto. Veja os documentos na íntegra aqui.

Cirurgia relâmpago: Acima, a autorização da Secretaria Municipal de Saúde e o Boletim do Bloco Cirúrgico da Santa Casa, ambos com a mesma data: 01 de agosto de 2007 (destaque com setas)

Argumentos

A prefeitura não acompanha a versão sustentada por Maria de Fátima e não rebate as datas contidas nos documentos. A justificativa apresentada para a autorização da AIH e a realização da cirurgia no mesmo dia é que não há demanda reprimida. “A Prefeitura está realizando campanhas, com uso de outdoor, para que as pessoas que tenham solicitação de cirurgia compareçam à Secretaria para que a realizem”, diz através de uma nota-retorno enviada a reportagem.
 
De acordo com a prefeitura, o caso de Maria de Fátima é “apenas” um entre os 117.792 mil pacientes de outros municípios que foram atendidos em Alfenas pelo SUS em 2007. “A Rede Municipal de Saúde de Alfenas é referência em toda a região, o que atrai pacientes de todo o Estado de Minas Gerais”, afirma a nota.

”Vindo de São João Del Rei, de Poços de Caldas ou de São Paulo, e havendo disponibilidade, o paciente é, e continuará a ser, atendido pela Rede Municipal de Saúde de Alfenas. Sem discriminação alguma, seja de endereço ou de sobrenome, por exemplo”, diz a nota.

Ao encerrar a nota, a prefeitura aconselha a equipe de reportagem – em aparente tom de ameaça - a observar a lei civil e penal quanto à divulgação não autorizada pelo paciente de procedimentos médicos.

Irregular

As explicações enviadas à reportagem pela prefeitura levantam suspeitas de irregularidades. Em consulta ao site da Secretaria Estadual de Saúde (SES/MG), o Alfenas Hoje verificou que não há nenhuma pactuação para que Alfenas receba pacientes de São João Del Rei em cirurgias eletivas (não-emergenciais), caso da Varicectomia.

A Programação Pactuada Integrada (PPI) estabelece os casos em que os municípios enviam pacientes para outros onde há capacidade de atendimento. Os casos excepcionais de cirurgias são referentes aos de emergência ou através do SUS/Fácil, onde o paciente é remanejado para a cidade onde é possível atender a demanda. Não é o caso da irmã do prefeito.     

O promotor Fernando Magalhães foi procurado na tarde de sexta-feira para comentar o assunto, mas estava atendendo na cidade de Campos Gerais.   

Realidade Diferente

Diferente do que foi informado pela prefeitura, a reportagem constatou casos de pessoas que não conseguiram a realização da Varicectomia. A dona de casa Vilma Megda Lima, por exemplo, tem 64 anos e diz que, durante os dois últimos anos, tentou sem sucesso uma cirurgia pelo SUS. Diz que chegou a ficar internada. Desanimada com a espera, resolveu desistir.

 Depois de esperar os últimos dois anos para fazer uma cirurgia de varizes, a dona de casa Vilma Megda de Lima, 64 anos, desistiu de esperar e hoje convive com dores 

“Quando eu trabalho em casa o dia inteiro, (a dor) ataca muito”, disse a moradora de um sitio próximo ao bairro Gaspar Lopes. “Desisti porque o pobre sofre muito. Vai, fica lá, e não dá certo”, completou. 

Além do caso de Vilma, a reportagem constatou pelo menos mais dois casos de demora do SUS para autorização de cirurgia para corrigir problemas com varizes. No entanto, elas preferiram não conceder entrevista.

Na fila até a morte

Neusa de Brito também não teve a mesma sorte de Maria de Fátima. Vítima de neoplasia de colon (câncer intestinal), ela travou uma batalha judicial para garantir o tratamento da doença (Quimioterapia) através do SUS. Em novembro do ano passado, ela obteve uma liminar (decisão provisória) obrigando a Secretaria de Saúde de Alfenas a fornecer o tratamento indicado em relatório de especialista em Oncologia, mas não resistiu ao tempo de espera e faleceu no início de dezembro.

O ex-procurador Geral do município, advogado Gilson Carvalho, apresentou a reportagem outro caso de paciente que teve que buscar na Justiça o direito por um tratamento adequado fornecido através do SUS. A menor D.R.R, de 10 anos, sofre os problemas da diabete e, em 2007, teve que recorrer à Justiça para que pudesse receber os medicamentos (insulina) necessários para o tratamento da doença. 

Em Tempo

Após a divulgação da reportagem, a assessoria de imprensa da prefeitura enviou um novo e-mail para a redação do Alfenas Hoje solicitando que fosse enfatizado que 'não há filas e todas as cirurgias de varizes são autorizadas'. O texto acima já informava que não há demanda reprimida, segundo a prefeitura. 

Sobre o caso de Vilma, a prefeitura informou que “é preciso investigar o porquê ela não foi operada”. Alegou a possibilidade de que a paciente não tenha procurado o médico ou porque durante a internação o caso não fosse de cirurgia. “Se ela tivesse ido a Secretaria seria autorizado. Reforçamos ainda que a Prefeitura divulgou em outdoors para que as pessoas levassem seus pedidos”, finaliza.



DEIXE SEU COMENTÁRIO

Caracteres Restantes 500

Termos e Condições para postagens de Comentários


COMENTÁRIOS

    Os comentários são de responsabilidade exclusiva dos autores.

     
     
     
     

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Informamos ainda que atualizamos nossa

Estou de acordo